Artigo do professor José
Leonardo Teixeira Costa, colaborador do Cebraspo, sobre as recentes
"ações" da polícia militar do Rio de Janeiro, que “estão
pondo a nu o que representa esta instituição, também revelando o
caráter fascista da atual "política de segurança pública”,
implementada pelo governador Sérgio Cabral e seu secretário de
segurança, José Mariano Beltrame.”
A polícia militar e a lógica da criminalização da pobreza
As
recentes "ações" da polícia militar do Rio de Janeiro
(morte do menino João Roberto Amorim, assassinato do camelô
Jefferson Silva Andrade, na Cruzada São Sebastião, e do funcionário
da Globo Luiz Carlos Soares da Costa) estão pondo a nu o que
representa esta instituição, também revelando o caráter fascista
da atual "política de segurança pública”, implementada pelo
governador Sérgio Cabral e seu secretário de segurança, José
Mariano Beltrame.
Tais
"ações" de "enfrentamento com a criminalidade"
praticadas pela polícia militar, se baseiam na lógica de que todo
aquele que pertence às classes populares já é, por si só,
"bandido", representando assim um perigo à ordem
constituída. A situação se agrava na atualidade, mas desde a
criação desta instituição, há quase duzentos anos, tem sido
assim. Era esta mesma polícia que servia como "feitor" nos
tempos da escravidão, reprimindo e vigiando os escravos e/ou seus
descendentes libertos, que habitavam a cidade do Rio nos tempos
finais do Brasil colônia e durante todo o período imperial.
Esta
lógica se reproduz até hoje. Até mesmo o comandante da PM,
Marcos Jardim, sabe disto. Ano passado, na época da realização dos
jogos panemericanos, período em que a cidade ficou praticamente
sitiada, este agente da repressão no estado do Rio de Janeiro
ressucitou a antiga política dos "três pês" - um dos
lemas da escravidão - dizendo que o "ano de 2007 seria o ano
dos três pês: PAN, PAC e PAU".
Isto
explica toda a truculência, a arbitrariedade e a crueldade com que a
PM trata a população do Rio, não poupando nem mesmo crianças de
três anos, como no caso do brutal assassinato do menino João
Roberto Amorim, truicidado pela polícia quando o carro em que estava
com sua mãe e um irmão menor foi confundido com outro carro - que
estava sendo perseguido pela PM – e alvejado por vinte tiros, numa
clara indicação de que aqueles policias não queriam sequer deter
os supostos bandidos, ou seja, foram para matar.
Este é
o resultado da política de criminalização da pobreza de Sérgio
Cabral e seus aliados, que é responsável não só por mais esta
morte como por todas as outras 1.330 mortes de trabalhadores
cometidas pela polícia do Rio em 2007.
Também
não há nada de novo nas declarações e nas políticas de segurança
publica dos últimos governos do estado. Há tempos os secretários
de segurança vêm buscando difundir a lógica de que a
"criminalidade" se combate com mais repressão, armamentos
e mortes, estimulando a histeria da insegurança e o medo da chamada
classe média, que serve como justificativa para tais políticas.
Não foi
outra a lógica da malfadada "gratificação faroeste”,
introduzida na gestão do conhecido fascínora e torturador Nilton
Cerqueira, que aumentava o salário do policial por cada suposto
bandido abatido.1
O
aprofundamento desta lógica se dá na atual gestão do governo
estadual, cuja secretaria de segurança se encontra capitaneada por
José Beltrame.
Dados
oficiais dão conta de um aumento de 18,5% nas mortes em decorrência
de confrontos com a polícia, isto só contando os dados obtidos
junto as delegacias legais, informatizadas, desconsiderando as
informações de outras onde não existe tal estrutura.
Somente
no Complexo do Alemão, entre maio de 2007, no início da ocupação
policial, até o fim de outubro do mesmo ano, foram mortas 49 pessoas
e feridas 89, sendo que o hospital Getúlio Vargas, próximo ao
Complexo, viu um crescimento de 45,6% (689) casos) de feridos por
arma de fogo, sendo que houve um crescimento de 66,3% ads mortes pelo
mesmo motivo (178 mortes), entre 2006 e 2007.2
Mesmo os próprios policiais,
responsabilizados pela população pelo significativo aumento da
violência e, por isso, alvos da justa ira do povo, acabam fazendo
parte desta estatística. Pois,
se em 2006 ocorreu uma morte de policial em confronto com o tráfico,
em 2007 este número aumentou para 7, o que perfaz um aumento de 600%
de mortes.
Segundo
dados do ISEP (Instituto de segurança Pública), o número de
pessoas mortas pela polícia em 2003 foi de 1197; em 2004 foi de 983;
em 2005, este mnúmero subiu para 1114; em 2006, foi de mais de 1600
e em 2007, foi de 1330. Em 2008, até o mês de abril 502 pessoas já
foram assassinadas pela polícia, no Rio de Janeiro.
E
o que é mais absurdo nestes dados é que, tanto do lado dos supostos
bandidos quanto do lado da polícia apenas um setor acaba sendo
direta e brutalmente afetado: o povo.
Em todo
o país aumenta os números da violência. Mesmo em cidades do
interior, outrora consideradas tranqüilas, os números são
alarmantes. Um estudo publicado na imprensa, no ano passado, revela
que a cidade de Macaé, no norte do estado do Rio, está entre as
cinco mais violentas do país, superando, inclusive, alguns centros
urbanos.
O
que explica tudo isto? Esta situação, no geral, é o reflexo do
agravamento da crise do capitalismo burocrático no Brasil, resultado
da crise do imperialismo, que vem sacudindo os principais centros
econômicos do mundo, fundamentalmente os Estados Unidos.;
Neste
sentido, cidades como o Rio de Janeiro sentiram profundamente o
impacto desta crise. Com a desindustrialização do estado, entre as
décadas de 1980 e 1990, houve um esvaziamento produtivo da, outrora,
capital federal. A baixa participação da indústria no PIB
estadual, apenas 30%, o baixo crescimento do emprego (Rio 9%, São
Paulo 30%) e o baixíssimo nível salarial, representando apenas 2/3
da média paulistana, fizeram com que a taxa de pobreza na área
metropolitana chegasse aos atuais 33%.
Para
citarmos exemplos, nas favelas do Complexo do Alemão, no Rio de
Janeiro, a renda média dos moradores é de meio salário mínimo,
sendo que os 20% mais pobres recebem ínfimos R$28,00 por mês,
estando cerca de 29% abaixo da linha da pobreza. Na Cidade de Deus
25%, na favela da Maré 24%, e na Rocinha 22%.
Neste
quadro, não é de se estranhar que o povo procure formas diversas de
sobrevivência. Como é muito constante nos centros urbanos em que
existe esta realidade, o crescimento da chamada "economia
informal" é significativo, sendo muitas vezes, a única forma
de sobrevivência, antes da "marginalidade". Mas mesmo este
setor é alvo constante da política de criminalização da pobreza
deste velho Estado, sendo freqüente nos grandes centros a
perseguição aos "camelôs", que resistem, muitas vezes,
com pedras e paus às investidas da guarda municipal.
É
em meio a esta situação explosiva que os governos de turno vêm
lançando mão desta política de criminalizar o pobre, temendo sua
justa revolta, como já ocorreu em diversos momentos da nossa
história, e recentemente explodiu no morro da Providência, em três
dias de confrontos da população contra o exército, em virtude das
mortes dos três jovens que foram entregues pelo exército a
traficantes do morro rival, para serem mortos barbaramente. Ao
final, o exército foi obrigado a sair de lá, desmoralizado e
expulso por uma população indignada e cada vez mais consciente de
que estas instituições do velho Estado, não servem em nada ao
povo.
Assim,
para as classes dominantes é mais do que necessário - para manter
intacto o seu sistema de poder - implementar a lógica da repressão
como a única solução para um problema que, na essência, é um
problema social causado por esta mesma estrutura econômica e
política.
Daí as
insistentes declarações de Cabral e Beltrame, no sentido de manter
inalterada sua política de segurança e de defender as ações
policiais que provocam tantas mortes, tentanto justificar que os
mortos eram traficantes, ou no caso das mortes terem sido
comprovadamente de pessoas sem nenhuma ligação com o crime,
tentando por a culpa em um suposto despreparo dos PMs, quando, no
caso, fica claro que não é simplesmente um caso de despreparo, mas
sim de um determinado preparo para matar.
Assim, a
análise de Alessandra Soares, mãe do menino João Roberto, em
entrevista a um programa televisivo, é mais do que pertinente. Diz
ela: "Só vim aqui dizer que não aceito nenhuma desculpa de
secretário, de governador. Nada disso vai trazer meu filho de volta.
Só eu sei o que eu estou passando. Eu e quem passa coisa semelhante.
O pior é a sensação que eu tenho de que ele terá que pedir
desculpa a outras pessoas..."
Somente
a mobilização e a justa revolta popular pode conter este processo
de fascistização, não só do governo do estado do Rio, mas também
do Estado brasileiro em geral. Somente o povo pode deter a lógica da
criminalização da pobreza e a matança dos pobres que ela engendra,
construindo um país verdadeiramente democrático, onde o direito das
pessoas mais pobres não seja violado da forma brutal e desumana,
característica da nossa formação histórica e social.
Rio
de Janeiro, 21 de julho de 2008
Prof.
José Leonardo Teixeira Costa
CEBRASPO
1
Em 1994, durante o governo Marcello Alencar, o então secretário de
segurança |Nilton Cerqueira, figura emblemática do período do
gerenciamento militar, instituiu a chamada"gratificação
faroeste". O Rio de Janeiro, então, vivia uma onda de
violência semelhante aos dias de hoje, com um aumento significativo
do número de seqüestros. Esta gratificação mantinha o salário
do policial congelado, mas dava a este uma determinada quantia em
dinheiro por cada "bandido" morto ou preso em confronto.Um
estudo realizado pelo ISER,demonstrou que durante o período em que
vigorou a lei (revogada em 1998), o número de mortes de civis por
mês dobrou, passando de 15 para 30. Apesar de extinta em 1998,
alguns aspectos desta "gratificação" continuaram sendo
oferecidas até os últimos dias do governo Rosinha, como as
"promoções por bravura", e o direito a final de semana
em colônia de férias da PM, para policiais que "cumpriram seu
dever".
2
Dados obtidos no texto "Máquina,
sangrenta e cara, de enxugar gelo",do advogado João Taancredo,
presidente exonerado da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, e
presidente do Instituto de Defensores de Direitos Humanos-DDH;
publicado no GTNM, jornal do Grupo Tortura Nunca Mais, nº65.
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