Durante
a ditadura de Franco, na Espanha, o psiquiatra Antonio Vallejo Nágua teorizou
sobre a necessidade de arrebatar os filhos dos vencidos a fim de depurar seus
sangues da degeneração marxista. Não só teorizou como também praticou. Era a
eugenia dos vitoriosos que levou dezenas de crianças até piedosas e ricas
famílias que já tivesses provado apegos ao nacional-catolicismo enquanto os
pais que as engendraram apodreciam nas celas, alimentavam os paredões de
fuzilamentos ou seus ossos eram consumidos ou enterrados nas beiras das
estradas. Com o passar dos anos tal prática se transformou num lucrativo
negócio com o tráfico de bebês obtidos até com roubos.
Alfredo Astiz, torturador durante o regime militar argentino, condenado a prisão perpétua em 2012. |
Que o grito “NUNCA MAIS”, lançado na Argentina, ecoe também no Brasil!
É realmente impressionante o poder
da classe dominante no Brasil, em todos os setores da sociedade. Aliás, isso se
tornou tradição com a chegada da família real portuguesa ao Brasil; mal
cheirosa e cheia de piolhos, fugida das tropas de Napoleão, em 1808. Tendo até
hoje a seu dispor um exército historicamente genocida – Canudos, Contestado,
Araguaia – vem conseguindo, não só prolongar a ditadura, iniciada em abril de
1964 (nesse momento, militares à frente, civis cúmplices e coniventes atrás)
até os dias de hoje – agora, civis à frente, militares e milícias atrás - como
também postergar a punição dos torturadores e assassinos.
Seus integrantes, atuais e
antigos, revelam o mesmo coração frio, a mesma mente corrompida pela maldade
atroz, pelo escárnio aos seus semelhantes desprotegidos às suas mercês, ao
mesmo tempo em que demonstram suas submissões, pessoais e coletivas, aos seus
vis interesses pecuniários, às suas sedes de poder e aos interesses políticos
dos poderosos, mormente aos interesses do imperialismo norte-americano.
Esses mesmos personagens – alguns
integrantes no poder - pretendem manter, no olvido, as prisões, as torturas, os
seqüestros, os assassinatos, os esquartejamentos que foram, e continuam sendo
perpetrados, desde então, aos seus mandos, além de, a todo custo, procurarem
manter no anonimato seus nomes.
O ilógico da questão é que a
atual presidente, também vítima ensangüentada dessa classe dominante,
esquecendo seus próprios companheiros presos, torturados, assassinados,
esquartejados ou “desaparecidos” - no dizer de um cínico parlamentar:
“evaporados” - se torna uma aliada e conivente com essa classe ao convocar uma
assim chamada “Comissão da Verdade”, prenhe de elementos que de antemão já se
sabe que ali estão para sabotá-la. Na verdade, ela segue os mesmos passos de Bachelet,
ex-presidente do Chile, ex-combatente que chegou à extrema ignomínia de
homenagear seu próprio torturador, o assassino Pinochet. Ambas, Dilma e
Bachelet, muito diferentes de Nestor e Cristina Kirchner, ex e atual presidente
da Argentina, também militantes políticos na década de 70, que devem ser
reconhecidos por não tentarem impedir o forte movimento popular que fez
revogar, pela Corte Suprema de Justiça, a anistia dada aos assassinos e estão
punindo dos assassinos e torturadores de seu país.
Isso demonstra o atraso, adrede
preparado, de nosso país, na punição dos crimes hediondos de Violação aos
Direitos Humanos, em relação a todos os demais países, em especial a Argentina
– um exemplo na luta contra a impunidade dos monstruosos crimes contra a humanidade
que lá ocorreram durante a ditadura de 1976/1983.
No último dia 5 de julho, foi
condenado, mais uma vez, o carniceiro ex-presidente da Argentina, Jorge Videla,
a mais 50 anos de cadeia. Junto com ele também foram condenados outros
assassinos, torturadores e seqüestradores, como o também já condenado
ex-ditador Reynaldo Bygone, a 20 anos; o comandante do sinistro Instituto
Militar, Santiago Omar Riveros, a 30 anos; o também já condenado ex-capitão
Jorge Eduardo “Tigre” Acosta, da Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA),
um dos maiores centros clandestinos de detenção, tortura e assassinato - a 30
anos, além de outros seis assassinos.
As revelações que vieram à tona
no justo julgamento desses criminosos fardados não só estarreceram o mundo, como
enfaticamente mostraram, novamente, a que o imperialismo, tendo a frente o
norte-americano, está levando o mundo.
Não só o não arrependimento, também
o cinismo da justificação: “fomos convocados”. Ora, quem os convocou? Os
imperialistas de Washington? Para quê? Para combater os comunistas que estavam
prestes a conquistar o poder? Onde? Quando?
Por acaso foi por causa disso que
foi arquitetado o plano sistemático de seqüestrar mulheres grávidas? Casais com
filhos pequenos? Construir maternidades clandestinas dentro de quartéis?
Organizar um plano bem preparado para distribuir os bebês que iam nascendo?
Colocando em prática, na Argentina, a teoria daquele psiquiatra espanhol da
época de Franco?
É muito elucidativo o caso de
Victoria, filha de Hilda Ramona e Roque Orlando. Os três foram seqüestrados
logo nos primeiros dias do golpe militar, levados violentamente para um quartel
onde os pais foram assassinados e ali mesmo, entre gritos de dor e cheiro de
sangue, a pequenina Victoria foi transformada em Maria Sol, filha do coronel
Hernán Antonio Tetzlaff, o assassino de seus pais.
A descoberta de sua verdadeira
identidade, culminou num processo iniciado em 1988 pelo grupo conhecido internacionalmente como Avós
da Praça de Maio, cuja fundadora Maria Isabel Chorobik ainda procura sua neta
Clara, de quem os pais foram assassinados quando ela foi roubada pelos agentes
do governo.
Este julgamento, terminado dia 5,
se referia a somente 34 bebês dos cerca de 500 seqüestrados. Destes, um total
de 105 foram encontrados. A meritória luta das Avós da Praça de Maio continua.
Em nosso país, embora muito
atrasada e sofrendo sabotagem por todos os lados, a campanha Punição para os torturadores do Regime Militar continuará. Que
vejamos todos eles atrás das grades!
CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos
12 de julho, 2012.