REPUDIAMOS A BRUTAL CHACINA DE CAMPONESES NO SUL DO PARÁ
EXIGIMOS INVESTIGAÇÃO INTERNACIONAL INDEPENDENTE DESSE CRIME DE ESTADO
O Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos - CEBRASPO repudia veementemente a ação planejada das Polícias Civil (Delegacia Especializada em Conflitos Agrários – DECA) e Militar do estado do Pará, que levou, no último dia 24/05, à morte de pelo menos 10 camponeses, ferimentos em pelo menos 14 e vários desaparecidos. Os mortos confirmados até o momento são: Weldson Pereira da Silva; Nelson Souza Milhomem; Weclebson Pereira Milhomem; Ozeir Rodrigues da Silva; Jane Julia de Oliveira; Regivaldo Pereira da Silva; Ronaldo Pereira de Souza; Bruno Henrique Pereira Gomes; Antonio Pereira Milhomem; Hércules Santos de Oliveira. Sete das vítimas pertencem a uma mesma família.
Os trabalhadores rurais estavam acampados próximos à Fazenda Santa Lúcia, município de Pau D’Arco, sudeste do estado, por eles ocupadas até recente reintegração de posse. A terra seria supostamente propriedade de uma conhecida família de grileiros, que controla irregularmente milhares de hectares na região. Na Fazenda Cipó, também ocupada recentemente pela Liga dos Camponeses Pobres (LCP) do Pará e Tocantins (movimento ao qual eram ligados os assassinados em Santa Lúcia), comprovou-se, por exemplo, que de seus 800 alqueires, apenas 200 eram documentados, sendo o restante na verdade terra do Estado.
Repudiamos e denunciamos igualmente a versão apresentada pela Polícia, segundo a qual as mortes foram decorrentes de “confronto” armado. Não existe confronto possível quando NENHUM policial sofreu quaisquer danos físicos, como foi o caso. Também as “armas” apresentadas como prova pela Polícia, velhas e ineficientes, são evidentemente incapazes de serem utilizadas de forma ofensiva, ainda que estivessem de fato em posse dos sem terra. Na verdade, nessa justificativa vemos a reprodução, no contexto rural, das alegações de “autos de resistência” sistematicamente apresentadas pelas forças policiais brasileiras para as execuções sumárias e chacinas perpetradas nas favelas e periferias do país, prática já condenada inúmeras vezes pela ONU e outros organismos internacionais.
Os relatos que temos até o momento atestam atrocidades e irregularidades na atuação da polícia. Agindo sob o pretexto de um mandado de prisão, executaram inclusive a presidente da associação local de camponeses, Jane, que tentou dialogar com os agentes do Estado. A cena do crime foi desfeita e os corpos enviados para duas cidades diferentes, Marabá e Paraopebas, antes da realização da perícia local. O Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Direitos Humanos já se encontram no local e relataram essas e várias outras irregularidades.
A região onde aconteceu a matança tem uma longa história de conflitos agrários e violações de direitos cometidos pelo Estado brasileiro. Ainda sob o regime militar, a resistência popular organizada na chamada Guerrilha do Araguaia foi esmagada com assassinatos, torturas e desaparecimentos massivos, condenáveis pelas legislações nacional e internacionais. Em dezembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil por não ter punido os responsáveis pelas mortes e desaparecimentos, e determinou que sejam feitos todos os esforços para localizar os corpos dos desaparecidos. O Tribunal concluiu que o Estado brasileiro é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas, ocorrido entre 1972 e 1974. Nessa mesma região, em abril de 1996, a PM/PA realizou o tristemente célebre Massacre de Eldorado dos Carajás, no qual 19 camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foram assassinados, e dezenas feridos e mutilados. Apenas dois comandantes da PM foram condenados pelas atrocidades, em processos e julgamentos denunciados por enormes irregularidades pela Anistia Internacional, entre outros órgãos.