quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

ÍNDIA - A ECONOMIA INDIANA NA PERSPECTIVA DE KOBAD GHANDY*

  *Kobad Ghandy é um preso político encarcerado na prisão central de Cherlapally, distrito de Rangareddy, Telangana

India – para debate – Um passo afrente, dois passos atrás: Kobad Ghandy sobre a desmonetização


"Seria a Índia um estado fraco que pune apenas os pequenos e fracos? O infrator rico e bem conectado sai praticamente impune ... Ninguém quer ir atrás do infrator rico e bem conectado, o que significa que eles escapam com ainda mais [riqueza e poder]. Se quisermos ter um crescimento forte e sustentável, essa cultura de impunidade deve parar. (Indian Express 2016) "

O que Raghuram Rajan, ex-governador do Banco de Reservas da Índia (RBI), disse em janeiro de 2016 é surpreendentemente relevante para o que vemos agora com o exercício de desmonetização.

O que vimos no mês passado foram milhões de pessoas pobres e de classe média sem dinheiro para comprar comida e remédios, enfrentando longas filas para acessar seu próprio dinheiro dos caixas eletrônicos e bancos, enquanto os poderosos do Partido Bharatiya Janata (BJP) estavam em uma cerimônia de casamento de cinco dias da filha de Janardhana Reddy, um ex-ministro do BJP (também famoso como o chefe da mafia mineira Bellary). Nem os Reddys nem seus convidados se preocuparam em converter suas notas, ainda que essa função tenha começado quase quatro dias após o anúncio da desmonetização.

Em um país como a Índia, onde a corrupção se infiltra em praticamente todas as fendas da sociedade, lutar contra o dinheiro sujo e sua geração contínua deve ser uma tarefa importante para qualquer governo. O mau cheiro da corrupção não só assedia o cidadão comum a cada passo, como também evita o desenvolvimento, haja visto que até mesmo o menor dos projetos se imviabilizam, com algumas vezes até 50% ou mais das alocações engolido por políticos, burocratas, intermediários e contratados. Projetos sociais e de bem-estar são subvertidos; há uma estimativa de que apenas 10 paises (moeda) em cada rupia alcançam as pessoas afetadas.
Não há dúvida de que se a Índia quer sair de seu atraso e dos níveis de atrozes de empobrecimento, é essencial combater o dinheiro sujo e a corrupção. Mas pode a desmonetização conseguir isso? Detectar o estoque existente de dinheiro sujo não pode ser uma ação única. Uma tarefa igualmente importante é a prevenção da sua regeneração no futuro. A desmonetização nem sequer toca na segunda. Pelo contrário, a impressão de notas de valores mais elevados que 2.000 só facilita mais transações na economia negra.

Estoque monetário: A ponta do Iceberg

De acordo com um relatório do Instituto Nacional de Finanças Públicas e Política (NIPFP) apresentado ao ministro das Finanças em dezembro de 2013, a economia negra poderia constituir 75% do produto interno bruto (PIB) da Índia (Mehra, 2014). Este relatório foi ignorado pelo então ministro das Finanças P Chidambaram, assim como pelo atual governo. A mídia também o negligenciou, optando por citar as estimativas do Banco Mundial sobre a economia negra em apenas 20 a 30% do PIB. Se não estamos dispostos a entender a escala do problema, como vamos enfrentá-lo seriamente? Aqueles que realmente querem enfrentar o dinheiro sujo com seriedade devem primeiramente publicitar este relatório. A 75% do PIB,  120 lakh crore de dinheiro sujo está sendo gerado a cada ano.
Compare isso com  14.6 lakh crore existente em  500 /  1.000 notas, o principal componente do estoque de dinheiro sujo. Mesmo supondo-se que 50% dessas notas compreendem o dinheiro sujo, isso significaria meros 7-8 lakh crore, ou seja, apenas 7% do total de renda suja sendo gerado. De fato, de acordo com o economista Swaminathan S Anklesaria Aiyar (2016),

“Como um estoque, provavelmente nem mesmo 2% do histórico dinheiro sujo são mantidos em dinheiro - quase tudo foi convertido em ouro, imóveis, investimentos financeiros, alguns em casas e muito se encontra no exterior ... O enorme estoque de dinheiro sujo foi lavado em há anos”.

Na verdade, de acordo com a Integridade Financeira Global, 3.3 lakh crore saiu do país a cada ano entre 2004 e 2013. Isso significaria um estoque gigantesco de  40 lakh crore que foi enviado para o exterior ao longo desses 12 anos. Estimativas não oficiais colocam o estoque total de dinheiro ilegal no exterior em  75 lakh crore. E nem um paisa disto foi aproveitado pelo governo BJP que prometeu trazer essa enorme quantidade de volta para casa.
Nem uma única pessoa mencionada nos papéis de Panamá foi repreendida. Ao contrário, muitos estavam para fugir do país com sua riqueza mal adquirida.

Entre estes estão o estelionatário Vijay Mallya, e, recentemente, o exportador de carne Moin Qureshi, Lalit Modi, e os dois notórios traficantes de armas Sudhir Choudhrie e Vipin Khanna. Estes inadimplentes que tem reservas de riqueza desviadas para fora de nosso país levam vidas palacianas no Reino Unido. No entanto, quando o primeiro-ministro britânico visitou recentemente a Índia, nenhuma tentativa séria foi feita para obter todos esses elementos extraditados para a Índia, e sua riqueza no exterior recuperada no interesse do nosso país.
Mesmo dentro da Índia, todos os esquemas fraudulentos -2G, Coal, Commonwealth e muitos outros- se encontraram com uma morte tranquila, e os oficiais honesto que chefiavam departamentos foram afastados. O atual governo chegou a suprimir os documentos recuperados durante as incursões de imposto de renda sobre o Saara e as investigações do Bureau Central de Investigação (CBI) sobre o grupo Birla que forneceu provas de suborno maciço por grupos empresariais para políticos e importantes burocratas.
Os principais burocratas têm de facto apoiado a corrupção. O secretário do carvão, Anil Swarup, declarou que não são os políticos, mas sim os "5Cs", ou seja, a Comissão Central de Vigilância, a Central Information Commission, a CBI, a Controladora e Auditor Geral da Índia e os tribunais, que estão impedindo que o país se desenvolva de forma rápida e eficaz (Deshpande et al 2016). Outro secretário do ministério da economia concordou: "há esta questão com a Lei de Prevenção da Corrupção. Basicamente, qualquer decisão que você toma beneficia alguém e pode impactar alguém e só porque esse é o caso que você pode ser perseguido "(Deshpande et al 2016).

Moeda Falsificada

Quanto às notas falsas, a quantidade de moeda falsa apreendida entre 2012 e 2015 foi de miseros  147 crore, ou seja,  37 crore por ano. Um estudo realizado em 2015 pelo Instituto de Estatística da Índia, Kolkata, em nome da Agência Nacional de Investigação, calculou que a moeda falsa em circulação era de apenas  400 crore, ou seja, apenas 0,022% do total de notas em circulação. O ministro de Estado para Assuntos Internos reiterou esta cifra em uma declaração em 18 de novembro de 2016 e acrescentou que apenas  28 crore de notas falsas foram confiscadas em 2016, e apenas  70 crore de notas falsas foram inseridas na economia a cada ano. Mesmo se o governo alegasse que esse número é cem vezes maior (não há estimativas precisas), isso ainda não chegaria a 1% do total de dinheiro desmonetizado.
Isto é pouco significativo para causar danos às pequenas e médias indústrias, à economia dos varejistas e atacadistas, à agricultura (incapacidade de vender, produzir e comprar sementes e fertilizantes) e aos milhões de pequenos vendedores, comerciantes, caminhoneiros, etc. Tudo isso já causou estragos para todos, exceto para o grande negócio. Ainda mais, uma enorme quantidade foi gasta pelo governo para imprimir e distribuir as notas novas – algo em torno de  15.000 crore para  20.000 crore. Além disso, se as acusações para as moedas falsas são direcionadas para um governo (Paquistão), é ingênuo pensar que eles não seriam capazes de duplicar as notas novas.

Economia sem dinheiro

Menos de 50% das nossas famílias têm acesso a um banco, mais de 60% de nossa economia está no setor informal, tudo isso dependendo de transações em dinheiro. Em um país grande como a Índia, apenas 3 milhões de pessoas declaram o imposto de renda e dois milhões pagam impostos. A Índia tem um dos maiores índices de moeda em relação ao PIB do mundo, 12% em comparação com uma média mundial de 4%. Estima-se que 78% das transações na Índia sejam em dinheiro, em comparação com 20% -25% nos países industrializados.
Quanto à outra razão citada, a mudança para uma economia sem dinheiro, chamando as pessoas a mudar para internet banking só indica o quão longe os nossos tomadores de decisão estão da vida das pessoas. Essa sugestão de Tughlaqian é como a de Maria Antonieta - quando a rainha foi informada de que as pessoas não tinham pão para comer, ela respondeu: "Bem, dê-lhes bolo".

O sofrimento e o caos não levados em conta

O que foi ainda mais criminoso é que o próprio governo não estava preparado para enfrentar a perturbação causada na vida das pessoas pela súbita destruição de 86% da moeda total pelo valor em circulação. Ou eles não previram os problemas que criariam ou não poderiam se preocuparam com a vida das classes pobres e médias.
As novas notas de  500 não estavam prontas até cinco dias após a desmonetização. Com apenas as notas de  2.000 sendo desembolsadas e a falta de notas menores no mercado, as pessoas não conseguiram comprar suas necessidades diárias de alimentos e remédios. Esta decisão despojou, de um dia para o outro, uma pessoa de todo o seu dinheiro suado, de seu poder de compra, sem fornecer uma alternativa. O governo chegou a afirmar que levaria 50 dias para trazer a normalidade na vida das pessoas. Recentemente, o ministro das Finanças afirmou que poderia levar um ou dois trimestres para trazer de volta a normalidade! A cada segundo dia, o governo está mudando as políticas sobre como trocar as notas dependendo das reações do povo.
A extensão da insensibilidade é inacreditável. Medidas poderiam ter sido tomadas para aliviar o sofrimento. Bem antes do anúncio, o RBI poderia ter assegurado que um grande número de notas de  100 estariam disponíveis e desembolsáveis, em vez das notas de  2.000, sem valor para necessidades diárias. As notas novas poderiam ter sido feitas no mesmo tamanho e peso que as notas antigas (enquanto mudando sua estrutura e cor) para que eles pudessem caber nos caixas eletrônicos existentes. A recalibração de caixas eletrônicos, iniciada apenas uma semana após o anúncio, pode levar meses. Passos simples antes do anúncio poderiam ter pavimentado o caminho para uma transferência relativamente suave. No entanto, a decisão de demonetizar foi tomada sem preparação adequada. Estima-se que levará seis meses para substituir todas as notas.
Isto, em primeiro lugar, resultou em danos extensivos à vida das pessoas e, em segundo lugar, uma perturbação total da economia do setor informal.
As filas nos bancos e dos caixas eletrônicos são longas e as pessoas têm que ficar por horas; Muitas vezes as notas acabam antes da sua vez. O estresse e a tensão por não ter qualquer dinheiro para transações diárias afetaram negativamente os doentes e os idosos e há relatos de mortes de pessoas enquanto estavam em filas em várias regiões. Os funcionários do banco estão sendo assediados, trabalhando longas horas para atender a demanda por desembolsar novas notas. Trabalhadores diaristas não conseguiam encontrar trabalho, pois os empregadores não tinham dinheiro para pagá-los.
A cadeia de fornecimento de bens e serviços foi interrompida, impactando a produção. Os comerciantes e distribuidores foram privados de fundos durante a noite para exercerem os seus negócios, e os primeiros não podem nem comprar bens depois de consumirem os seus estoques, nem podem pagar pelo transporte dos produtos para o mercado. Os varejistas não podem vender os produtos, pois os clientes não têm dinheiro para comprá-los, e eles podem fornecer bens a crédito a clientes apenas até um ponto, uma vez que precisam pagar seus fornecedores e não podem obter notas novas suficientes para fazê-lo. A atividade bancária normal está susceptível de ser interrompida durante meses com os bancos totalmente ocupados em operações de câmbio.
A colheita de kharif ainda não foi totalmente comercializada em muitas regiões, e os produtores são incapazes de vender suas colheitas devido à escassez do dinheiro novo. Muitos estão oferecendo preços drasticamente mais baixos para os seus produtos, os quais correm risco de se deteriorarem nos próximos dias. Os agricultores não podem comprar sementes e fertilizantes para semear rabi, uma vez que não existe uma denominação inferior ou dinheiro substituto disponível nos bancos mais próximos. A semeadura atrasada está destinada a afetar a produção futura. Trabalhadores rurais e artesãos são inteiramente dependentes da compra do mercado e enfrentam grande sofrimento.
O agravamento da situação nas áreas urbanas tem sido amplamente relatado na mídia - não só os pobres assalariados, mas a classe média também estão sendo afetadas negativamente pela perda artificial e extrema de poder de compra da noite para o dia. Milhões de horas de trabalho estão sendo desperdiçadas por pessoas que estão em longas filas nos bancos, e muitas que estão afastadas eventualmente encontrarão o novo dinheiro se esgotando. O país está sendo levado a uma recessão criada artificialmente e o nível de atividade econômica está em declínio. A Ambit Capital estima que o crescimento da Índia poderia cair para 3,5% em função da desmonetização em comparação com projeções anteriores de 6,8% (Hindu 2016).

Referências

Aiyar, Swaminathan S A (2016): “Less Black in Cash Means More in Gold,” Times of India, 13 November.
Deshpande, R and Sidhartha (2016): “ ‘5C’s’ also Hinder Decision-making: Coal Secy,” Times of India, 6 April.
Hindu (2016): “Demonetisation Could Halve GDP Growth to 3.5% in Current Fiscal,” Hindu, 19 November.
Indian Express (2016): “Raghuram Rajan: No One Wants To Go After Rich and Well-connected Wrongdoer,” Indian Express, 18 January.
Mehra, Puja (2014): “Black Economy Now Amounts To 75% of GDP,” Hindu, 4 August.

O original pode ser lido em: http://maoistroad.blogspot.com.br/2016/12/india-for-debate-one-step-forward-two.html

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