domingo, 19 de julho de 2020

LIBERDADE PARA TODOS OS PRESOS DO GRUPO DE RISCO DA PANDEMIA!

A recente decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pela soltura de Fabrício Queiroz evidencia o caráter de dois pesos e duas medidas da balança do poder judiciário do velho Estado, que longe de equilibrada pende sempre para o lado dos burgueses, latifundiários e toda sorte de capangas associados, como é o caso de milicianos fartamente favorecidos.

Ainda que a decretação da prisão preventiva de Queiroz tenha se dado em razão de diversos elementos justificáveis – risco de fuga, fornecimento de informações falsas, comunicação constante com grupos de milicianos – cabe ressaltar que a decisão que ordenou sua transferência para prisão domiciliar possui amparo jurídico, considerando que, de acordo com suas alegações, ele apresenta comorbidades que caracterizam grupo de risco em meio a pandemia do novo coronavírus.

Trata-se, entretanto, de decisão esdrúxula, pois estende-se à sua então foragida esposa, sob a alegação de que seria ela cuidadora indispensável ao estado de grave enfermidade de Queiroz. Grau de enfermidade, entretanto, incompatível com sua participação em churrascos e festas na casa de Frederick Wasseff, onde se abrigava.

Todo o contorcionismo dessa decisão, proferida por um juiz que não é conhecido por ser garantista e defensor dos direitos de acusados em sua corte, demonstra como atua esse Judiciário, quais direitos e vidas são protegidas, enquanto outras são dispensáveis. Tal decisão contrasta com o histórico de julgamentos desse tipo no STJ, que de acordo o site do monopólio de imprensa das organizações globo (G1, 11/07/2020), negou pedido de prisão domiciliar em 95% dos casos de foragidos que tiveram sua prisão preventiva decretada.

Já análise feita pela Folha de São Paulo em maio de 2020 mostra que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a soltura de apenas 6% de um total de 1.386 habeas corpus examinados desde março até o dia 15 de maio. Negando a soltura e a prisão domiciliar até em casos com atestados médicos comprovando graves riscos à saúde das pessoas.  

O mesmo STF que reconheceu “o estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário brasileiro, chamando atenção para a grande possibilidade de expansão do risco de contágio diante a pandemia do COVID-19, que possui elevado grau de transmissibilidade, e em razão das dificuldades para garantia de observância da higiene e isolamento necessário de indivíduos. 

As masmorras do sistema prisional brasileiro são conhecidas pelas mais deploráveis condições de insalubridade, superlotação e toda sorte de violências físicas, psicológicas e humilhações cometidas contra a população carcerária e seus familiares, em sua gigantesca maioria pobres, negros e negras. A disseminação de doenças como tuberculose, sarna e sarampo é uma dura realidade que faz parte do cotidiano dos presos e seus familiares.
Pesquisa realizada pela Fiocruz em conjunto com o Ministério Público no estado do Rio de Janeiro, verificou que de um total de 521 óbitos no sistema prisional, 83% foram mortos por doenças, sendo a tuberculose responsável por 45% das mortes em razão de doenças infecciosas no sistema prisional. Tratam-se de pessoas que chegam à óbito por doenças que seriam tratáveis, mas que acabam não sendo em um ambiente de completa ausência de condições de salubridade e de assistência à saúde.

Em meio a pandemia do novo coronavírus os números tornam-se ainda mais alarmantes, especialmente se consideramos que dentre a população carcerária o percentual de grupos de risco e de vulneráveis é muito maior. O índice geral de incidência de tuberculose na população nacional é de 32 para cada 100.000 habitantes, no sistema prisional nacional é de 932 para cada 100.000 e no Rio de Janeiro chega aos 200 para cada 100.000. A referida pesquisa demonstra que as pessoas presas têm risco nove vezes superior ao da população em geral de morrer por tuberculose. Nota Técnica número 3 da Fiocruz, de 01 de abril de 2020 destaca a necessidade de enfrentamento do COVID-19 nas prisões, assinalando a inexistência de Plano de Contingência no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro e estimando que 1 caso possa contaminar de 5 a 10 pessoas, colocando qualquer cálculo de possibilidade do impacto da COVID-19 em um nível de terror absoluto. 

Apesar da ausência de transparência no fornecimento de informações por parte da Secretaria de Administração Penitenciária do Rio (SEAP), levantamento realizado pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) mostrou que o estado registrou 48 mortes no sistema prisional durante 65 dias da quarentena, caracterizando um aumento de 33 % em relação ao ano passado e o maior número de óbitos no período de 6 anos.

A reconhecida precariedade no fornecimento de água e produtos de higiene, que em geral são entregues pelos familiares dos presos e que tiveram restrição nas visitas, amplia sobremaneira a vulnerabilidade e risco de morte das pessoas privadas de liberdade. Além disso, as restrições nas visitas impactam não somente o recebimento de insumos de higiene, mas também afetam gravemente a saúde mental dessas pessoas. Nesse momento, normas elaboradas pela Organização Mundial da Saúde recomendam especial cuidado e atenção à saúde mental, com o objetivo de minimizar os impactos da ansiedade e do estresse, que podem ter efeito imunossupressor, reduzindo a imunidade dos indivíduos. 

Portanto, o CEBRASPO conclama a todas as entidades democráticas e defensoras dos direitos do povo que exija do poder judiciário brasileiro a prisão domiciliar  de todos os presos em situação de risco para a pandemia pelo novo coronavírus. A libertação de Fabrício Queiroz mostrou não haver nenhum motivo pelo qual isso não possa ocorrer. Caso contrário, confirma a tendenciosidade do Poder Judiciário ao libertar presos ao sabor de conveniências dos governos de turno.



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3 Informação disponível em Relatório parcial do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT) sobre o COVID-19 no sistema prisional.


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