quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sobre a Condenação dos Torturadores do Regime Militar na Argentina e a Impunidade dos Torturadores no Brasil

Durante a ditadura de Franco, na Espanha, o psiquiatra Antonio Vallejo Nágua teorizou sobre a necessidade de arrebatar os filhos dos vencidos a fim de depurar seus sangues da degeneração marxista. Não só teorizou como também praticou. Era a eugenia dos vitoriosos que levou dezenas de crianças até piedosas e ricas famílias que já tivesses provado apegos ao nacional-catolicismo enquanto os pais que as engendraram apodreciam nas celas, alimentavam os paredões de fuzilamentos ou seus ossos eram consumidos ou enterrados nas beiras das estradas. Com o passar dos anos tal prática se transformou num lucrativo negócio com o tráfico de bebês obtidos até com roubos.

Alfredo Astiz, torturador durante o regime militar argentino, condenado a prisão perpétua em 2012.

Que o grito “NUNCA MAIS”, lançado na Argentina, ecoe também no Brasil!

É realmente impressionante o poder da classe dominante no Brasil, em todos os setores da sociedade. Aliás, isso se tornou tradição com a chegada da família real portuguesa ao Brasil; mal cheirosa e cheia de piolhos, fugida das tropas de Napoleão, em 1808. Tendo até hoje a seu dispor um exército historicamente genocida – Canudos, Contestado, Araguaia – vem conseguindo, não só prolongar a ditadura, iniciada em abril de 1964 (nesse momento, militares à frente, civis cúmplices e coniventes atrás) até os dias de hoje – agora, civis à frente, militares e milícias atrás - como também postergar a punição dos torturadores e assassinos. 

Seus integrantes, atuais e antigos, revelam o mesmo coração frio, a mesma mente corrompida pela maldade atroz, pelo escárnio aos seus semelhantes desprotegidos às suas mercês, ao mesmo tempo em que demonstram suas submissões, pessoais e coletivas, aos seus vis interesses pecuniários, às suas sedes de poder e aos interesses políticos dos poderosos, mormente aos interesses do imperialismo norte-americano.

Esses mesmos personagens – alguns integrantes no poder - pretendem manter, no olvido, as prisões, as torturas, os seqüestros, os assassinatos, os esquartejamentos que foram, e continuam sendo perpetrados, desde então, aos seus mandos, além de, a todo custo, procurarem manter no anonimato seus nomes.

O ilógico da questão é que a atual presidente, também vítima ensangüentada dessa classe dominante, esquecendo seus próprios companheiros presos, torturados, assassinados, esquartejados ou “desaparecidos” - no dizer de um cínico parlamentar: “evaporados” - se torna uma aliada e conivente com essa classe ao convocar uma assim chamada “Comissão da Verdade”, prenhe de elementos que de antemão já se sabe que ali estão para sabotá-la. Na verdade, ela segue os mesmos passos de Bachelet, ex-presidente do Chile, ex-combatente que chegou à extrema ignomínia de homenagear seu próprio torturador, o assassino Pinochet. Ambas, Dilma e Bachelet, muito diferentes de Nestor e Cristina Kirchner, ex e atual presidente da Argentina, também militantes políticos na década de 70, que devem ser reconhecidos por não tentarem impedir o forte movimento popular que fez revogar, pela Corte Suprema de Justiça, a anistia dada aos assassinos e estão punindo dos assassinos e torturadores de seu país.

Isso demonstra o atraso, adrede preparado, de nosso país, na punição dos crimes hediondos de Violação aos Direitos Humanos, em relação a todos os demais países, em especial a Argentina – um exemplo na luta contra a impunidade dos monstruosos crimes contra a humanidade que lá ocorreram durante a ditadura de 1976/1983.

No último dia 5 de julho, foi condenado, mais uma vez, o carniceiro ex-presidente da Argentina, Jorge Videla, a mais 50 anos de cadeia. Junto com ele também foram condenados outros assassinos, torturadores e seqüestradores, como o também já condenado ex-ditador Reynaldo Bygone, a 20 anos; o comandante do sinistro Instituto Militar, Santiago Omar Riveros, a 30 anos; o também já condenado ex-capitão Jorge Eduardo “Tigre” Acosta, da Escola Superior de Mecânica da Armada (ESMA), um dos maiores centros clandestinos de detenção, tortura e assassinato - a 30 anos, além de outros seis assassinos. 

As revelações que vieram à tona no justo julgamento desses criminosos fardados não só estarreceram o mundo, como enfaticamente mostraram, novamente, a que o imperialismo, tendo a frente o norte-americano, está levando o mundo.

Não só o não arrependimento, também o cinismo da justificação: “fomos convocados”. Ora, quem os convocou? Os imperialistas de Washington? Para quê? Para combater os comunistas que estavam prestes a conquistar o poder? Onde? Quando?

Por acaso foi por causa disso que foi arquitetado o plano sistemático de seqüestrar mulheres grávidas? Casais com filhos pequenos? Construir maternidades clandestinas dentro de quartéis? Organizar um plano bem preparado para distribuir os bebês que iam nascendo? Colocando em prática, na Argentina, a teoria daquele psiquiatra espanhol da época de Franco?

É muito elucidativo o caso de Victoria, filha de Hilda Ramona e Roque Orlando. Os três foram seqüestrados logo nos primeiros dias do golpe militar, levados violentamente para um quartel onde os pais foram assassinados e ali mesmo, entre gritos de dor e cheiro de sangue, a pequenina Victoria foi transformada em Maria Sol, filha do coronel Hernán Antonio Tetzlaff, o assassino de seus pais.

A descoberta de sua verdadeira identidade, culminou num processo iniciado em 1988 pelo  grupo conhecido internacionalmente como Avós da Praça de Maio, cuja fundadora Maria Isabel Chorobik ainda procura sua neta Clara, de quem os pais foram assassinados quando ela foi roubada pelos agentes do governo.

Este julgamento, terminado dia 5, se referia a somente 34 bebês dos cerca de 500 seqüestrados. Destes, um total de 105 foram encontrados. A meritória luta das Avós da Praça de Maio continua.

Em nosso país, embora muito atrasada e sofrendo sabotagem por todos os lados, a campanha Punição para os torturadores do Regime Militar continuará. Que vejamos todos eles atrás das grades!      


CEBRASPO – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos

12 de julho, 2012.