Compartilhamos grave denúncia registrada pela Associação Brasileira de Advogados do Povo (ABRAPO) de Rondônia, cometidas no interrogatório de Reginaldo Alves da Silva, morador do Acampamento Dois Amigos, pela Delegada de Polícia de Porto Velho.
DENÚNCIA
No dia 23 de Novembro de 2020, o camponês e morador do Assentamento 2 Amigos, localizado no Distrito de União Bandeirantes, da cidade de Porto Velho/RO, Reginaldo Alves da Silva, foi detido por forças policias e mantido preso até o dia 25 do mesmo mês, no Presídio Central da cidade de Ji-Paraná/RO, sob acusações de envolvimento nos assassinatos de dois policiais ocorridos no dia 03 de Outubro de 2020, na região de União Bandeirantes.
Reginaldo possuía mandado de Prisão Preventiva que não constava no sistema nacional de Mandados de Prisões, sendo que o processo que originou a preventiva encontra-se sobre o “manto de Segredo de Justiça” não sendo possível acessar seu conteúdo. Mesmo não tendo nenhuma prova de que tivesse envolvimento com os assassinatos, foi detido e mantido preso por dois dias.
Segundo o depoimento de Reginaldo, no dia dos fatos, estava trabalhando em seu sítio e desenvolvendo as atividades cotidianas de agricultura. A casa onde mora, no Assentamento 2 Amigos, fica há mais de 50 km de onde ocorreram as mortes, fato que consta em seu depoimento prestado na DERCCV (Delegacia Especializada na Repressão de Crimes contra a Vida) da Cidade de Ji-Paraná (em apenso).
O depoimento prestado no dia 25/11/2020 foi prestado para a Delegada de Polícia lotada em Porto Velho, Leisaloma Carvalho Resem e uma equipe de agente policiais, que deslocaramse mais de 300 km da capital para o interior apenas para realizar a colhida de depoimento de Reginaldo sobre os fatos, em uma tentativa desesperada de justificar um inquérito e processo que até o presente momento não tem nenhuma comprovação dos fatos e autores.
Registra-se que quanto advogada, compareci no Presidio onde estava preso Reginaldo e obtive informações sobre sua prisão e deixei meu contato com os agentes que estavam trabalhando na DERCCV, para que eu fosse acionada quando fosse colher o depoimento do mesmo, para fazer o devido acompanhamento judicial. Após ser informada de que se iniciaria a coleta de depoimento me dirigi ao estabelecimento prisional.
Pode constatar claramente que a coleta de depoimentos teve claro cunho tendencioso, onde a Delegada cometeu diversas violações no interrogatório, utilizando de tortura psicológica e ironia, com afirmações de que acusado estava mentindo quando este negava sua relação com os fatos acusatórios. Durante toda a oitiva, intervi no sentido de que garantir que os direitos do camponês fossem respeitados, assim como sua integridade física, já que estava claro a coação e ameaças eram feitas pela Delegada e pelos agentes presentes.
Após quase quatro horas de interrogatório, em que Reginaldo foi exaustivamente sabatinado e incitado a falar coisas das quais não sabia nada, foi encerrado o procedimento formalmente.
O que prevê o ordenamento jurídico brasileiro é que posteriormente ao interrogatório deve-se realizar exame de corpo e delito do interrogado e este deve voltar a sua cela. Acontece que após a saída da advogada e a realização do exame de corpo e delito Reginaldo foi conduzido novamente a sala de interrogatório onde foi duramente pressionado pela Delegada e pelos agentes, que insistiam para que Reginaldo se declarasse culpado de um crime que não cometeu – isso tudo sem a presença de advogado ou registro por escrito dos atos.
Relata Reginaldo que até mesmo ameaça de morte por parte da Delegada e de um agente (que não sabe identificar o nome, mas o descreveu como de pele marrom e cabelos escuros lisos) sofreu. A Delegada não só agiu na ilegalidade interrogando o acusado sem a abertura de um novo procedimento de oitiva que deveria ser acompanhado de um advogado como também ameaçou, constrangeu, humilhou e causou danos psíquicos ao camponês, chamando-o de “otário’’ e dizendo que ‘’da próxima vez que ele fosse abordado eventualmente por uma viatura policial meteriam bala nele, nos seus filhos e esposa, se estivessem juntos’’. (Depoimento completo em apenso).
Reginaldo ainda relata que levou um tapa no peito do agente descrito acima. E somente depois de muita tortura psicológica e por ele ter falado que estava passando mal devido a sua pressão alta foi que acabou o interrogatório ilegal e ele foi conduzido de volta sua cela.
Mediante intervenção da DPE/RO o camponês foi solto no dia 25/11/2020.
O fato concreto é que a Delegada da PC/RO Leisaloma Carvalho Resem no afã de atender os anseios da mídia e dar resposta a Corporação da PM tem praticado várias violações de direitos humanos que precisam ser apurados e devidamente punidos.
Os camponeses dos Acampamentos Tiago dos Santos e 2 Amigos não podem viver sob a tutela do medo e terror daqueles que deveriam protege-los. O fato concreto é que os assassinatos dos policiais precisam ser investigados, mas, não há custo de ameaças e violações gravíssimas. Portanto, se solicita a devida apuração e providências.
Ji-Paraná/RO, 30 de novembro de 2020.
MARIANA GULLO PAIXÃO
OAB/RO 10063
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