Compartilhamos importante manifesto em solidariedade ao jornalista e defensor da causa palestina Breno Altamn
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Ao Ministério Público Federal Moção de Apoio ao Jornalista Breno Altman
O jornalista Breno Altman tem origem judaica. Sua família emigrou para o Brasil fugindo dos horrores promovidos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. Enquanto jornalista, dedica-se a cobrir os fatos políticos que ocorrem mundialmente. Fundou o jornal Ópera Mundi como forma inclusive de dar conta dessa árdua tarefa de apresentar ao grande público suas opiniões, dentro do escopo democrático. A excelência de suas matérias, ao se posicionar com transparência, levaram-no a uma perseguição sistemática pelos sionistas, judeus ou não, orquestrada pela Conib - Confederação Israelita do Brasil. -desde de que passou a noticiar e comentar os acontecimentos na Palestina, que classifica de genocídio em curso, não diferentemente de muitos meios de comunicação. Nós, militantes pertencentes a grupos contra a guerra na Palestina, concordamos com a análise do jornalista e o apoiamos nestas horas em que essa acusação descabida de antissemitismo o atinge. Não há o que justifique tal perseguição, uma vez que o jornalista está somente realizando o seu trabalho. Estamos vindo a público para revelar a nossa indignação diante de uma situação que já foi longe demais, pois não se caracterizou crime de racismo. Tal afirmação não é isolada, a própria Polícia Federal a proferiu, depois de ouvi-lo detidamente. Nessa linha, solicitamos ao Ministério Público Federal o arquivamento de um processo que qualquer órgão de respeito, ao se debruçar sobre ele, conclui que não se trata de crime. Por uma questão de justiça mesmo é o que esperamos de Ministério Público Federal.
Grupo Pelas Crianças e Vítimas da Guerra na Palestina Comitê Regional Unificado do ABC em Defesa da Palestina Todos Somos Palestina
We express our sincere condolences on the death of the great Indian democrat, Professor GN Saibaba. We are aware that his unjust imprisonment on false charges by the Indian state amounted to a slow and gradual murder caused by the conditions of incarceration and the lack of health care for a person who had 90% of his movements paralyzed.
Our contact with the professor in Brazil left us with a deep impression of his understanding of the Indian and international reality, his involvement in the defense of a people's democracy and in overcoming the historical injustices that impede and attack the rights of peoples.
And also about his extraordinary human service in overcoming the difficulties imposed on him by his illness, which was the result of crimes against the health of the people because it resulted from conditions preventable by medical science.
Greetings to his family and comrades.
Long live the fighter for the rights of the people Prof. GN Saibaba.
Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos (Brazilian Center for Solidarity with the Peoples)
INVASÃO DO CAMPUS DA UERJ PELA PM, A MANDO DA REITORIA E DO GOVERNADOR CLÁUDIO CASTRO, RESPALDADA POR UM JUDICIÁRIO REACIONÁRIO, FAZ LEMBRAR OS ANOS DE CHUMBO
Os dias 19 e 20 de setembro de 2024 ficarão lembrados pelo povo do Rio de Janeiro como aqueles em que a reitoria da UERJ, em conluio com o reacionário governador do RJ, Cláudio Castro, respaldada por Juízes sem consciência social, pisaram na educação pública e no direito dos estudantes fazerem a defesa de seus direitos violados, através de um verdadeiro confisco das bolsas miseráveis de que se tornaram dependentes, por suas condições de vulnerabilidade social e econômica, inviabilizando bolsistas de continuarem estudando.
Há 57 dias os estudantes mantinham uma greve de ocupação para derrubar uma medida arbitrária da Reitoria cancelando bolsas para filhos de trabalhadores, política que transformou a UERJ na Universidade mais democrática do Estado. Tal mudança na política de permanência não foi democraticamente discutida na Universidade. Com os cortes, milhares de estudantes seriam afetados pelas possibilidades de manter seus estudos sem necessidade de trabalho, o que é causa da maior parte das evasões escolares.
Greve de ocupação essa que se constitui numa forma tradicional de luta dos movimentos sociais (estudantil, sindical), amplamente utilizada pelos estudantes nos últimos anos nas jornadas contra ataques à educação pública levados a cabo por governadores da direita tradicional em São Paulo e no Paraná. Na própria UERJ, várias ocupações ocorreram nos últimos anos, mas chamar o Choque para desocupar somente esta Reitoria.
Intransigente na sua política de seguir à risca o ajuste fiscal de Cláudio Castro, apesar de terem sido apontadas possibilidades de remanejamento orçamentário para manter as bolsas, ao fim, a reitoria judicializou a questão, apontando apenas alguns estudantes como réus, e conseguiu, junto ao Poder Judiciário, uma liminar de reintegração de posse.
A partir daí, as violações de direitos foram se agravando…
No dia 19 de setembro, paramilitares, com porte e atitude de agentes de segurança, sem identificação, adentram a Universidade e agrediram estudantes, tentando, sem sucesso, expulsá-los da Universidade. Às 15:00, horário normal de funcionamento, fecharam os portões do campus, impedindo o direito de ir e vir, até dos advogados, que não puderam entrar para ver seus clientes, o que é uma violação às suas prerrogativas, protegidas por lei. A reitoria, na sequência cortou água, luz e internet do edifício onde estavam os estudantes.
No dia 20, a Procuradoria da UERJ pediu à juíza da ação de reintegração de posse a adoção de um conjunto de medidas coercitivas e punitivas, dentre as quais, a intervenção violenta da Polícia Militar. Triste ironia, pois, são os mesmos que matam e agridem os estudantes pobres nas favelas onde muitos desses bolsistas residem. Polícia essa que todos sabem não ter o menor respeito pelos direitos humanos, que se tornam cachorros furiosos quando soltos, fazendo todo tipo de barbárie.
Foi enviado o Choque, fortemente armado, e helicópteros, que foram então usados contra os estudantes desarmados. Lançaram bombas de efeito moral, armas ultra sônicas, gases irritantes e balas de borracha, além de muitas agressões físicas. Trancaram os portões da UERJ, o que é contraditório com uma reintegração de posse, onde há que se retirar quem está dentro. Os estudantes tiveram que pular as grades para sair. Perseguiram os estudantes pelas ruas do entorno, e, ao final, 4 (quatro) pessoas são detidas e algemadas, 2 (dois) estudantes; 1 (um) colaborador da imprensa popular registrando o ocorrido; e 1 (um) deputado federal, este, apesar de sua imunidade parlamentar. Uma advogada foi fortemente agredida, com cassetete, e teve lesões corporais. Uma estudante de enfermagem, portando um kit de pronto socorro, que estava lá para socorrer alguém porventura ferido, saiu algemada, o que viola direitos constitucionais, pois, não representava qualquer risco aos presentes. Ao final, todos foram liberados, por não haver nenhum motivo para as suas detenções arbitrárias.
Se a reitoria pensa que lançar a Polícia Militar contra lutadores do povo é defender a universidade pública, está muito enganada. Sua subserviência ao ajuste fiscal do governador do RJ só tenta enfraquecer a capacidade de resistir aos ataques que os privatistas fazem sobre ela. Não serve ao currículo, de ninguém que se diz democrata, chamar a PM para invadir o campus, fato inédito na história da UERJ.
É medida absolutamente anacrônica e autoritária impor multas de R$10.000,00 (dez mil reais) e bloquear contas e desabonar cadastros de estudantes pobres, que somente recebem as míseras bolsas de subsistência.
E, 24 de setembro, após o fechamento do campus, Centros Acadêmicos apareceram arrombados e revirados, busca e apreensão sem mandados como a polícia faz diuturnamente nas favelas. Consequentemente, podemos esperar todo o repertório da PM nesses casos: drogas, armas e documentos forjados para maior criminalização.
As entidades signatárias desta nota se solidarizam com os estudantes que mantiveram, às duras penas, a luta por seus direitos. Estamos ao lado de todos que defendem o direito do povo lutar por seus direitos. O direito à educação, neste momento de crise profunda do imperialismo, requer coragem e não covardia, unidade do povo e não apaziguamento com os seus opressores.
As pautas dos estudantes continuam abertas e eles manifestam a firme vontade de continuar a lutar pelos seus justos direitos.
ABAIXO À CRIMINALIZAÇÃO E À AGRESSÃO
AOS ESTUDANTES DA UERJ!
EM DEFESA DO DIREITO DO POVO TRABALHADOR À EDUCAÇÃO!
EM DEFESA DO DIREITO DE REUNIÃO E MANIFESTAÇÃO!
LUTAR NÃO É CRIME!
Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos - CEBRASPO
Associação Brasileira dos Advogados do Povos - ABRAPO
24 de setembro de 2024
domingo, 28 de julho de 2024
De Curitiba em 1968 à luta pela terra hoje: entrevista com o escritor Otto Winck.
Fonte: Jornal A Nova Democracia.
Otto Leopoldo Winck é doutor e mestre em Estudos Literários pela UFPR. Seus dois últimos romances, Que fim levaram todas as flores e Forte como a morte, retratam, respectivamente, a movimentação cultural e política em Curitiba no ano de 1968 e um panorama político-religioso a partir da relação de camponeses com a terra, a fé e a lei.
AND: De onde veio a ideia para escrever Que fim levaram todas as flores, um romance em Curitiba em 1968?
OTTO: Eu sempre tive fascinação pelos anos 60 e por 68 de maneira especial, desde adolescente. Não sou da época, sou de uma geração posterior. Mas quando eu tomei consciência de mim, a década de 60 tinha mais de dez anos, e já ressoava como uma coisa aurática. A gente não olhava para frente, mas para trás, porque vivíamos um momento muito conservador nos anos 70 e 80 no Brasil e no mundo. Na década de 60, pelo menos no Ocidente, o Ocidente expandido, o Ocidente e as áreas sob sua influência — a classe média na América Latina e em outros locais — viviam um momento, uma onda, de avanço em vários aspectos, social, político e comportamental. A revolução sexual, por exemplo, tem várias bases econômicas e sociais. Não seria possível sem a popularização dos métodos de contracepção. Antes desse período, você não podia comprar uma pílula anticoncepcional em uma farmácia, o sexo resultava quase sempre em gravidez ou, quando muito, em aborto. A iniciação sexual masculina era geralmente num prostíbulo, muitas vezes conduzida por alguém da família, com todas suas consequências traumáticas e todas as opressões de gênero que tal prática reiterava. É bom lembrar que essas conquistas no campo da sexualidade sempre vieram com ameaças, retrocessos ou instrumentalização, mas começaram nos anos 60. Antes disso, essa vanguarda na área do comportamento (sexual) era para intelectuais, artistas, boêmios, uma minoria. A grande massa das classes médias e baixas seguia a moral conservadora, a moral da cegonha citada por Oswald de Andrade no Manifesto antropófago. Na década de 60 as meninas começam então a usar minissaia, começam a ter relações sexuais. Antes as meninas não “davam”, para usar uma expressão machista da época. É nesse momento que começa a se esboçar a ter certa liberdade sexual e isso assusta a família tradicional estadunidense, brasileira, ocidental.
Outro aspecto importante também é do consumo de drogas, que viraria em alguns momentos até uma pandemia no Ocidente, como a heroína nos anos 70. Mas nos anos 60 ao menos havia um aspecto de expansão da consciência. Entre esse propósito e a realidade, é claro, havia muito espaço. Mas quem usava drogas antes? Artistas, intelectuais, filósofos. Não havia uma disseminação na juventude da classe média. No caso dos EUA, eram os negros, os músicos de jazz… A polícia não se preocupava. Quando a maconha começou a ser consumida pela classe média branca, aí sim, gerou toda uma histeria, que você pode constatar folheando as revistas da época.
Ao entrar na adolescência, eu tinha uma fascinação por essa época, no começo pelo aspecto musical e comportamental. A música que fazia sucesso no final dos anos 70 era a música disco, que era muito conservadora, talvez hoje haja uma nostalgia disso, mas era muito conservadora, camiseta pra dentro das calças, cabelo emplastado, era um retorno aos anos 50, só que diminuindo a dimensão rebelde. Veja como é “interessante” o capitalismo, ele antropofagicamente absorve tudo, tira todo o teor contestador e o transforma em um produto anódino. O que a indústria cultural sentiu nos anos 70? Por um momento, nos anos 60, eles perderam o controle. Quando houve Woodstock, 500 mil jovens, não eram 500 mil revolucionários, mas eram 500 mil revoltados com a guerra do Vietnã, não apenas pelo serviço militar obrigatório, mas também pela matança desenfreada e absurda. De repente, 500 mil pessoas em um evento sem organização, empresa, patrocínio, nada, um evento mambembe que chama a atenção do mundo inteiro. E sucessos comerciais com filmes de baixo orçamento como Easy Rider. Nos anos 70, daí, nós temos uma série de filmes mais domesticados voltados para a juventude. Eu me tornei adolescente nessa época e nós olhávamos para a geração anterior com admiração. Pra quem tinha 14, 15 anos, os hippies tinham 28, 30. Eram meio malucos, mas que a gente admirava. Enquanto os jovens da nossa idade queriam ir pro bailinho, dançar, festar e pegar uma menina ou outra, não tinha nada além disso. Então eu já admirava essa década anterior, sobretudo as bandas, Beatles, Rolling Stones, Woodstock, aquilo que eu pude assistir, ouvir, lembrando que naquele tempo o acesso à informação era muito mais raro.
Essa foi a primeira atração, depois foi a questão política, porque foi o momento de maior ascenso revolucionário da história, que se estende um pouco nos anos 70 com a vitória do Vietnã, independência de vários países da África e da Ásia e talvez, como último suspiro, a Revolução Nicaraguense. Depois nós passamos a ter retrocesso atrás de retrocesso. Então os anos 60 foram, no Brasil e no Mundo, uma referência: quando ainda estávamos longe da internet, a comunicação era analógica, em um ano aconteceram estopins em várias regiões e coisas impressionantes. A gente lembra de maio em Paris, mas houve muito mais. Houve protestos no México que resultaram na morte de centenas de pessoas. Um ou dois dias depois do assassinato de Martin Luther King houve revoltas, bairros inteiros queimados. A impressão que se tinha, e que eu quero transmitir no meu livro, era que a revolução estava na próxima esquina. Isso hoje pode parecer muito infantil, esquerdismo infantil, utopia, mas se você tivesse 17, 18, 19 anos e tivesse o coração cheio de sangue e sonhos na cabeça — mesmo no Brasil com a ditadura — a impressão era de que a vitória estava ao alcance. Você via manifestações multitudinárias nos EUA, na Europa, no México… No Japão houve batalhas campais que duraram 10, 12 horas, de estudantes contra a Polícia. Claro, que a posteriori soa-nos como uma impressão errônea, equivocada. Mas eu sentia uma fascinação por essa época em que os sonhos pareciam estar ao alcance das mãos, e há muito tempo queria trabalhar literariamente esses dois temas, o comportamental e o político.
AND: Tenho a impressão de que isso fica bastante expresso no protagonista, o Rui, que fica cindido entre essa intensificação da luta política e um certo deslumbramento com as novidades, uma espécie de socialismo pequeno-burguês, uma ideia de que a revolução é amanhã…
OTTO: Sim. Já pego esse gancho. Ao mesmo tempo, quando se conta a história de 68 no Brasil, como no livro do Zuenir Ventura, não se menciona. Você vê Rio, São Paulo, Brasília, um pouco Porto Alegre, mas uma das batalhas mais épicas, talvez a única vitória real, foi aqui em Curitiba, onde se pretendia começar um processo de privatização das universidades públicas federais e, graças às manifestações, o Governo Federal recuou e não se falou mais disso. Foi a única vitória concreta desse período. Além disso, teve muita coisa importante acontecendo em Curitiba. O livro da Teresa Urban, 1968, Ditadura Abaixo, uma HQ, me forneceu muitas informações, com muitos desenhos ilustrativos, colagens de revistas e entrevistas da época, música, comportamento, que ela foi testemunha. Então eu queria contar a história do ano de 68 e o entorno, um pouco antes e um pouco depois, sob o ponto de vista de uma cidade bastante provinciana e conservadora quanto Curitiba.
O meu narrador-protagonista, o Rui, tem uma tensão, pois ele é o narrador mas o foco está no Adrian. O Rui é filho de imigrantes italianos muito pobres, austeros e repressores, e conhece o Adrian na escola, que é de uma situação social levemente superior, o pai é gerente do Banco do Brasil, com certo status. Então o Rui admira o Adrian pela família que ele tem, e o Adrian traz aquelas informações que ele não tinha. O Ruy, por exemplo, não sabia que estávamos numa ditadura, não tinha acesso a Bob Dylan, aos discos, aos livros, não conhecia Sartre… Então começa uma amizade e entra um terceiro elemento, que vai criar um triângulo amoroso rotativo, com a Elisa, que é uma espécie de protofeminista. Não que não fosse feminista, mas eu não quis colocar na fala dela coisas dos anos 70, não quis cometer anacronismo. Imaginei uma adolescente, mulher, menina, nos anos 60, o que ela falaria, o que ela pensaria, que referências ela teria.
Enfim, eu quis evitar anacronismos, que é muito comum em ficções retrospectivas, você coloca na boca de um personagem dos anos 60, 70, um pensamento que dificilmente ele veria naquele tempo. Tomei muito cuidado, não botei sequer uma gíria que não fosse usada naquele momento. Os dicionários de gíria não são confiáveis, não mostram quando as gírias começaram a circular. Então consultei as pessoas da época, fiz uma pesquisa, me foi muito útil o Pasquim, que começou em 69 e usava muitas gírias, não uma linguagem jornalística tradicional. A seção que enumera uma série de sinônimos da maconha, não tem um que não fosse usado naquele momento, aquilo eu tirei de uma fonte direta, uma coluna do Luiz Carlos Maciel no Pasquim.
Então o meu interesse foi tanto pelo aspecto comportamental dos anos 60 quanto social e político, e tudo isso do ponto de vista de Curitiba. E outra coisa. Normalmente ficções, memórias, autobiografias, etc, focadas nessa época, ou focalizam a questão do desbunde comportamental ou a questão política. E não havia nenhum livro que mostrasse esses dois aspectos, pelo que eu saiba, o que dava a ideia de que eram dois mundos estanques. Ou seja, de que havia o jovem politizado mas relativamente conservador no comportamento, e o jovem “desbundado” mas relativamente alienado na política. Mas não é bem assim. Havia muitos trânsitos entre os dois polos, porque eles frequentavam o mesmo ambiente social. Eram geralmente jovens de classe média e classe média baixa que circulavam na Universidade, nos bares… Um acaba se radicalizando, entrando em um agrupamento armado, o outro não. Mas esse primeiro também ouvia música da época, podia achar alienada, mas ouvia, gostava. Então lendo algumas matérias e relatos, dava a impressão de que eram dois mundos estanques, ou que veio um depois do outro. Mas em 68 já havia o núcleo desses dois mundos. De um lado, Tropicália, Mutantes, de outro lado a radicalização dos jovens. E eram pessoas que conviviam entre si, eu quis mostrar isso. O Rui fica sempre meio que olhando de longe Quando ele é convocado a aderir à luta armada, ele nega. E o Adrian é o cara mais radical, vai para a luta armada, é preso, volta, vai para o desbunde, e depois se torna um empresário de construção bem sucedido e com ideias conservadoras no aspecto comportamental, preocupado com o filho etc. Uma coisa absurda, mas que aconteceu e acontece. Na época que eu escrevi essa cena, não havia ainda Bolsonaro presidente, mas todo esse fantasma já estava iminente. Eu não quis transformar meu personagem em uma caricatura. Enquanto isso pudesse parecer não muito verossímil na época, mas é verdadeiro, aconteceu de fato. Muita gente que foi contra a ditadura, até pegou em armas, ou desbundou, acabou, de uma maneira ou outra, discreta ou abertamente, aderindo ao bolsonarismo. Embora isso tenha acontecido, não quis fazer do Adrian uma caricatura, mas ele vira um burguês liberal, como o pai dele, como a origem de classe dele, cuidadoso, prudente, afinal de contas a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E ele estava muito bem sucedido. E, perceba, se antes ele estava à esquerda do Ruy, agora no final ele está à direita. Porque o Ruy é um jornalista aposentado, mora sozinho, não se realizou na vida do ponto de vista burguês capitalista.
Este livro chama muita atenção pelo tema, então boa parte das entrevistas e resenhas são sobre o tema. Todavia,sob o aspecto formal, eu não acredito que se possa fazer hoje um romance histórico como se fazia no século XIX. Em termos formais está ultrapassado, essa forma não diz mais respeito à formação social onde nós estamos, então, um romance histórico só é possível do ponto de vista em que haja uma crítica, haja um quê de metahistórico. Então, é um romance dentro de um romance. O que você está lendo é o romance que o Ruy escreveu naquela oficina literária. Então, esse romance, como o Forte como a morte, tem um aspecto metaficcional, além de vários aspectos em que você reporta o tempo todo que está diante de uma ficção. Por mais que haja uma pesquisa documental rigorosa, não é uma reprodução, como se fosse possível, da época. É uma fotografia de um ângulo específico da época, mas mostrando a máquina de fotografia, o cenário, lembrando que é uma construção. Eu pessoalmente acho que essa é a forma possível de escrever um romance histórico no século XXI. Todos os meus romances (Jaboc, Que Fim Levaram Todas as Flores, Forte Como a Morte) tem esse aspecto metaficcional, é uma história dentro de uma história, e o próprio ato de escrever, de produzir ficção, está sempre focalizado e questionado.
De certa forma, a ideia da representação, que você pode representar o real como ele é, é uma ideia que naturaliza a ideia de representação, e como Barthes dizia, faz parte da ideologia burguesa: você acha que o que você vê, o que você percebe, é o real. Na minha ficção eu gostaria ao mesmo tempo de contar uma história e ao mesmo tempo problematizar essa história. Assim eu quero atingir dois tipos de público. Porque eu também não gostaria de seguir a trilha de uma literatura hermética que só é fruída por um determinado grupo de iniciados. Acho que o caminho que Joyce abriu foi, em certa medida, um beco sem saída. Depois de Ulisses veio Finnegans Wake, depois veio só o silêncio, a música sem som, o quadro sem nada, a tela branca sobre fundo branco. Então por um lado eu quero contar uma história, eu quero agradar aquele público que gosta, entre aspas, de uma historinha. Eu tenho a consciência que, por deficiência de educação no Brasil, muita gente com ensino médio não tem todos os requisitos pra apreender os detalhes, pode achar o livro eventualmente chato. Por que tantas palavras aqui? Por que tanta enumeração? Eu sei disso. Mas eu também não quero abandonar esse público, dar uma banana pra eles. Mas por outro lado eu quero dar uma piscadela pra aquele que busca nas entrelinhas, que, ao mesmo tempo que acompanha a história, está acompanhando o aspecto formal, desde a construção de uma frase, uma metáfora, uma descrição, de um diálogo, uma cena, uma lua aparecendo no final até a construção do romance como um todo.
AND: Quando você coloca que não gostaria que a arte fosse algo a ser consumido por um grupo de iniciados, vejo que em Que Fim Levaram Todas as Flores, existem as sutilezas, as nuances, mas você não precisa aprender nada que está fora do livro. Todas as maneiras de apreender o livro estão contidas dentro dele mesmo, seria isso?
OTTO: Exatamente. Como acontece com a gente muitas vezes: estamos lendo um livro e é citado outro autor. Quem é esse cara? Você vai atrás. Quem se interessa só pelo enredo vai poder ler o livro, como muita gente leu e comentou comigo, e vai se interessar pelo aspecto afetivo, ou aspectos cômicos e a história em si. Nós somos seres de narrativa, por mais “sofisticados” que nós sejamos, nós gostamos de acompanhar uma história. Então tem um fio narrativo, um plot bastante forte, mas tem os outros aspectos, os estilos, as alusões, as citações, as colagens, etc.
AND: Pode me contar sobre a trama do seu novo livro, Forte Como a Morte?
OTTO: É um livro anterior ao Que Fim Levaram. Eu tinha a história pronta há mais de quinze anos. Mas é meu livro que mais parou e voltou, deixei guardado dois ou três anos, voltei. Foi o que mais levou tempo para encontrar sua forma definitiva. É um livro que exigiu também bastante pesquisa e pesquisas fora do meu campo de experiência. É uma família do interior do Paraná, descendentes de poloneses, pequenos proprietários de terra, mas bastante ameaçados pelo latifúndio, bastante religiosa, embora a família não seja necessariamente carola, fanática, mas religiosos como o descendente polonês nos anos 70 no interior do Paraná seria. Então um belo dia a filha, Rosália, na pré-adolescência, 13, 14 anos, amanhece com manchas nas mãos, pés e lados, que três dias depois se desenvolvem como chagas, estigmas da Paixão de Cristo. A família fica assustada, chama o padre, o padre olha aquilo, não entende, diz: não mostra pra ninguém, vou analisar, rezar por vocês. Mas uma vizinha acabou sabendo e em pouco tempo a menina passou a ser vista como santa, uma romaria se formando em torno dela. Essa é uma das narrativas. Na outra encontramos a mesma Rosália, agora com mais ou menos 30 anos, três filhos, um inclusive recém-nascido. Está casada e em um acampamento de sem-terras. Ocuparam uma fazenda, mas há a iminência de uma ação de reintegração de posse. Então há essa tensão. A terceira narrativa é de um padre de meia idade. Está terminando a Missa do Galo, no Natal. Ele está se despedindo dos paroquianos ao mesmo tempo em que está relembrando toda a sua história, como surgiu a vocação, entrou no seminário, uma espiritualidade muito conservadora, tradicional. Aí quando é ordenado, vai trabalhar e pensa, como vou falar do Reino de Deus para essas pessoas que estão passando fome, não tem pão, as meninas engravidam com a idade de Nossa Senhora? Aí ele adere à Teologia da Libertação. Agora ele está em uma paróquia de classe média, desencantado, os paroquianos não tem nada a ver com ele. Ele tem uma visão teológica ousada, alternativa, seu mestrado foi sobre a kénosis de Deus, uma teoria de que Deus teria programado seu desaparecimento na História… Então todo mundo foi embora, ele volta para a casa paroquial e é o primeiro Natal que vai passar sozinho, uma festa tradicionalmente associada à família, pessoas próximas, e ele vai passar sozinho, nenhum paroquiano lembrou de convidá-lo, a família dele está longe, ele está em crise, questionando suas decisões. Então ele pega um pedaço de peru na geladeira, um champanhe e vai dar uma volta de carro. Vai pro centro velho e encontra uma prostituta de rua, vão pra um motel mequetrefe e quando ela vai se despir, ele fala: não, eu vim celebrar o Natal. E a partir disso se conectam as três histórias.
Só que essas três narrativas não são contadas uma depois da outra, no modo mais tradicional, mas são cortadas, seccionadas e intercaladas. Então você acompanha as três histórias simultaneamente e aos poucos você vai montando esse quebra-cabeça e entendendo o que aconteceu por lá. No começo até pode ficar um pouco perdido. Mas aos poucos você entende. Eu pensei o seguinte, a gente consegue ler dois ou três livros ao mesmo tempo sem misturá-los, assistimos um filme e uma série ao mesmo tempo, nosso cérebro consegue acompanhar esses fios distintos, então por que não contar várias histórias simultaneamente e aos poucos você junta as peças e compreende o desenho? É como um vitral, você tem que se afastar para compreender.
AND: Tem algum motivo para ter ido até a região rural nesse romance?
OTTO: O romance tem um diálogo com A Metamorfose do Kafka. O começo faz alusão ao Gregor Samsa, que acorda transformado em um monstruoso inseto. Rosália, depois de sonhos intranquilos, acorda com manchas na mão. É uma pista de que não estamos inteiramente no campo do realismo, mas numa fronteira entre o realismo e o fantástico. Há muitas explicações possíveis para o que acontece com a Rosália. Um personagem diz que é o poder da sugestão. As pessoas mais simples vão dizer: isso é coisa de Deus, uma graça de Deus. Outras: essa coisa é do demônio. Em nenhum momento o narrador sustenta uma explicação. Mostra as várias interpretações possíveis, mas não assina nenhuma para que o leitor tire suas conclusões. Um romance tem que ser capaz de suscitar inúmeras interpretações. Além disso, eu também quis trabalhar alguns outros aspectos. Tem uma hora que eu coloco na mente do Padre Hugo o seguinte: o ateísmo é um fenômeno fundamentalmente ocidental, porque é no Ocidente que apareceu a necessidade de se lutar contra um Deus que assumiu ares pessoais, masculinos, patriarcais e tirânicos. Como é que você vai lutar contra um deus que é algo que se confunde com o mundo, no taoísmo, no hinduísmo, em uma religião de matriz africana? Não há necessidade de ateísmo para um ameríndio, um povo originário. Mas esta determinada configuração – um Deus único, pessoal e despótico -, que se manifesta nas três grandes religiões abraâmicas, é que mais se configurou no Ocidente. E o século XIX foi o século que tomou como símbolo dois grandes mitos, o de Prometeu e o de Lúcifer. Lúcifer é aquele que disse: não servirei. Então, de repente, parcelas oprimidas da população resolvem tomar sua história nas mãos, dizendo: não servirei à Igreja, ao Estado, ao capital. O ateísmo é esse fenômeno no Ocidente. O ateísmo, digamos, moderno, no Oriente, é uma importação do Ocidente, e lá tem outra configuração. A questão de como lidar com o confucionismo na China é diferente de como lidar com o catolicismo em Cuba.
AND: Já permeamos esse assunto, mas você tem uma proposta de corrente artística vinculada a algum direcionamento político?
OTTO: Eu me sinto e me coloco sempre à esquerda, com uma previsão de superação revolucionária do sistema capitalista. No entanto, a arte não pode se resumir a um panfleto. Ela é sobretudo um trabalho, e um trabalho crítico, com o seu material. No caso da literatura, esse material são as palavras. Mas essas palavras não estão desenraizadas, elas estão presas ao solo da história. Não existe poema ou romance escrito nas nuvens.
sexta-feira, 26 de julho de 2024
AM: Moradores de comunidade indígena resistem à decisão judicial injustificável de reintegração de posse.
Moradores da comunidade Raízes da Amazônia relatam ameaças de policiais militares em favor de um mandado de reintegração de posse injustificado.
Fonte: Jornal A Nova Democracia.
A comunidade Raízes da Amazônia, situada no bairro Tarumã, zona oeste de Manaus, recebeu notificação no dia 19 de julho sobre um mandado de reintegração de posse emitido pelo juiz Mateus Guedes Dias, a pedido de José Ferreira Mota Filho.
Os indígenas que ali vivem são provenientes de diversas etnias, especialmente Muras, Caixanas e Cocamas. Eles já manifestam sua intenção de resistir ao despejo injustificável.
Na manhã do dia 19, agentes da polícia militar do Amazonas (PM-AM) compareceram à comunidade e entregaram o documento, exigindo que uma moradora o assinasse. Segundo Luiz Alberto Kaixana, um outro morador, os agentes reacionários não buscaram permissão para dialogar com uma liderança indígena.
A moradora em questão, conhecida como Keren, explica a situação: “Eles falaram que a gente entrou como morador e, se a gente não assinasse, dariam voz de prisão”, relatou Karen ao Radar Amazônico.
Conforme explicado por Luiz Alberto Kaixana, os habitantes da comunidade Nações Indígenas ocuparam a área que estava previamente abandonada, há aproximadamente quatro anos. Atualmente, mais de três mil indígenas estão estabelecidos no local, distribuídos em 150 famílias.
A liderança indígena apresentou documentos que comprovam a identidade indígena dos moradores, fato esse que fora contestado pelos agentes do velho Estado. “Temos documentos comprovando que os moradores são indígenas. Temos família, casa, fornecimento de água e energia e comprovante de residência”, declarou Kaixana.
“A comunidade passa por uma situação tão complicada, e os poderosos ainda querem tirar o pouco que esses moradores têm, que é uma simples moradia”, denunciou o líder indígena Arnaldo Macedo, que prosseguiu nas denúncias: “Querem apenas um espaço para viver, manter suas crianças dentro da comunidade. Viemos atrás de melhorias para os filhos, saúde e educação. Em vez de serem abraçados pelo governo, são chamados de marginais e invasores.”.
Por todo o país, indígenas têm se organizado para resistir aos ataques contra seu direito ao território.
quarta-feira, 24 de julho de 2024
RS: Após ataques do latifúndio, governo manda Força Nacional para Terras Indígenas.
Fonte: Jornal A Nova Democracia.
A ofensiva do latifúndio iniciada a algumas semanas após a grande mobilização dos povos indígenas contra o projeto genocida do “marco temporal” atingiu os estados do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul. Nessas regiões, os indígenas foram alvos de pistoleiros que invadiram comunidades, incendiaram casas e atiraram contra a comunidade como forma de provocação.
No Rio Grande do Sul, na retomada Fág Nor, que fica localizada em Pontão, no norte do estado, pistoleiros aparecem uma vez por mês para aterrorizar os indígenas. No último ataque, ocorrido no dia 20 de julho, pistoleiros invadiram a comunidade atirando e incendiaram um barraco.
Antes, outro ataque já havia ocorrido no dia 14, quando os pistoleiros incendiaram um carro da comunidade. Em Eldorado do Sul, na Zona Metropolitana de Porto Alegre, pistoleiros dispararam contra o acampamento de beira de estrada da comunidade Pekuruty, o ataque aconteceu durante a madrugada do dia 13 de julho.
A “solução” do velho Estado foi a autorização do envio da Força Nacional às “áreas de conflito” nos quatro estados, além da prorrogação da presença da Força Nacional no Rio Grande do Sul, que, desde maio, está presente.
Em sua atuação no Rio Grande do Sul desde maio, ao invés de auxílio, os agentes foram responsáveis pela repressão e violência gratuita às massas. Sabendo da coordenação do latifúndio com políticos de extrema direita, o papel das tropas enviadas pelo governo federal é o de fazer vista grossa aos ataques, sendo incapaz de impedir a ofensiva dos pistoleiros que aterrorizam as comunidades indígenas.
PR: Familiares de vítimas organizam ato pelo fim da violência policial.
Familiares de vitimados pela Polícia organizam manifestações mensais em Curitiba pelo fim da violência policial. Entre as reivindicações principais estão a desmilitarização da Polícia, a obrigatoriedade de câmeras em uniformes e viaturas e o fim da fé pública para policiais.
Os manifestantes se organizam na esquina da rua XV de Novembro com a Monsenhor Celso aos segundos sábados de todo mês (excepcionalmente aos terceiros sábados). Neste dia 20/07, estenderam murais com os rostos e nomes das vítimas, além de um banner que expõe a série de irregularidades, omissões e abusos cometidos pelo Estado e pela Polícia. O número de mortes em confronto com a Polícia Militar no Paraná é de 1941 casos entre 2019 e 2023, sendo que, de 2019 a 2022 (gestão do governador bolsonarista Ratinho Júnior) as mortes só aumentam. O Paraná é o 7° estado com mais assassinatos cometidos pela Polícia (4,2 a cada 100 mil habitantes).
Os manifestantes denunciam o aparelhamento do Estado pela Polícia Militar. Os soldados saídos do serviço de rua passam a integrar cargos administrativos de alta hierarquia no Sistema Penal, na Polícia Científica ou mesmo no Palácio do Governo. Assim, denuncia uma liderança, há um “regulamento implícito” para ocultar as marcas da violência. É comum que processos a respeito de violência policial sejam delegados da Polícia Civil para a PM, que leva a Tribunal Militar, o qual segura o caso por muito tempo até declarar que casos que envolvem mortes não lhe competem. O caso, então, vai para o Tribunal Civil, mas nesse ponto o clamor popular tende a esfriar, sem contar as inúmeras ameaças que os familiares sofrem pela Polícia para desistirem dos processos. Manifestantes relatam casos de ex-ativistas cujas casas foram cercadas por viaturas que passavam devagar, exibindo fuzis e pistolas, e de familiares que, na última hora, desistiram dos processos sem maiores explicações.
Durante a manifestação, houve ronda ostensiva tanto da Guarda Municipal quanto da Polícia Militar. Três viaturas e duas motocicletas rondaram o local. As lideranças afirmam que isso acontece todas as vezes e os policiais já chegaram a estacionar duas viaturas de modo a cercar a manifestação.
terça-feira, 23 de julho de 2024
Mineradora denunciada por camponeses na BA tem histórico de multa de mais de R$ 100 mil por desmatamento ilegal
Fonte: Jornal A Nova Democracia
A mineradora Calsete Indústria Comércio e Serviços Ltda., atualmente envolvida em conflitos pela terra com camponeses do Acampamento Mãe Bernadete, em Carinhanha, Sul da Bahia, foi multada por corte ilegal de árvores pelo Ibama no início os anos 2000, em um processo que se arrastou até pelo menos 2018. O valor da multa chegou a R$ 107,9 mil.
O jornal A Nova Democracia apurou o processo de disputa entre a Calsete e o órgão ambiental. Segundo o Ibama, o corte raso (tipo de desmatamento em que todas ou a maioria das árvores de um terreno são derrubadas até o toco) feito pela mineradora atingiu uma área de 127.59 hectares nas regiões de Lagoa dos Portácios e Lagoa da Praia. O Ibama justifica a multa pelo motivo de “explorar florestas e formações sucessoras de origem nativa”.
O valor do auto de infração aumentou ao longo do processo, passando de cerca de R$ 38 mil para R$ 94,5 mil e, por fim, para R$ 107,9 mil, por motivos de correção monetária, multas, inflação e outros adicionais, todos decorrentes do prolongamento do processo pelo não pagamento do valor inicial. Os latifundiários não aceitaram a multa, tentaram reduzir o valor e, por fim, o caso foi para penhora de bens; a Calsete tentou oferecer um trator no valor de R$ 200 mil, mas o judiciário negou, pois o valor deveria ser pago em dinheiro.
O AND não conseguiu verificar se algum pagamento foi feito, e entrou em contato com o Ibama para averiguar. Não houve respostas até o fechamento da reportagem, mas o espaço segue em aberto.
Camponeses contra mineradora
Além de infrações ambientais, a Calsete também é alvo de denúncias por parte dos camponeses das comunidades de Caraíbas, Cheira Cabelo e Cabacinhas. Esses trabalhadores denunciam há 25 anos o abandono das terras da Lagoa dos Portácios pela Calsete e exigem a posse da área.
A Liga dos Camponeses Pobres (LCP), que apoia os camponeses, afirma que as terras são de fato dos posseiros, e que a Calsete não tem direito à posse. Um panfleto da LCP escrito no ano passado denuncia o histórico de crimes ambientais da mineradora: “A justiça, ou melhor, injustiça comprada tem dado sempre ganho de causa contra nós, porque é a mesma justiça que permitiu que todos os crimes ambientais e humanos fossem cometidos pela Calsete por mais de 20 anos nessa região e que nada fizeram para impedir, parar ou responsabilizar”.
Segundo as denúncias, que corroboram com os documentos acessados pela reportagem, a Calsete destruiu as matas de pequizeiros, contaminou trabalhadores com a produção local de carvão e usou as terras como “esgoto ambiental”. Eles afirmam que a retirada de árvores continua até hoje.
‘Entramos para lutar e não desistiremos’
Em 25 de janeiro de 2023, cerca de 250 famílias ocuparam as terras abandonadas. O acampamento durou até o dia 31 de março, quando o governador baiano, Jerônimo Rodrigues (PT), ordenou que a polícia despejasse os posseiros. Os camponeses saíram, mas se reorganizaram e, em agosto, entraram nas terras mais uma vez. Este foi o recomeço do acampamento, nomeado Mãe Bernadete, que segue de pé até hoje.
Durante esse tempo, eles enfrentaram operações de despejo, incursões da Polícia Militar e combatem, até hoje, a pistolagem local. Os paramilitares são mercenários da empresa privada Faroeste Segurança Patrimonial Ltda., que segundo os camponeses, é paga pela Calsete.
Os camponeses prometem continuar na luta até a vitória definitiva. “Entramos para lutar e não desistiremos. Juntos venceremos no Acampamento Mãe Bernadete. Essa terra é nossa”, disse uma camponesa, em entrevista exclusiva ao AND.