Reproduzimos reportagem publicada no blog da redação do jornal A Nova Democracia onde moradores do Complexo do Chapadão denunciam a violência policial ao qual são submetidos diariamente.
RJ: Moradores condenam Chacina no Chapadão
Redação de AND
Na manhã de 15 de fevereiro, a equipe de AND esteve presente no Complexo do Chapadão, Zona Norte do Rio de Janeiro, acompanhando o importante ato dos moradores em repúdio a mais uma chacina, resultado de uma “operação” realizada pelo 41º Batalhão da PM. Leia mais aqui.
Durante a visita de nossa equipe, os moradores denunciaram, com exclusividade para o AND, a série de abusos e violações da PM que culminou com a bárbara chacina do dia 13 de fevereiro, com o assassinato de 4 pessoas e deixando mais 7 feridos.
Ao chegar no local da Chacina, ocorrida dois dias antes, os sinais do crime ainda eram visíveis: inúmeras marcas de balas em carros estacionados, nos muros e portões das casas; os chinelos ensanguentados das vítimas assassinadas e feridas ainda amontoados em frente a um portão; na rua, marcas de sangue.
— Eu moro aqui há 20 anos, sou dona de casa, tenho ali na garagem uma lanchonetezinha. A polícia chegou, ameaçou o meu filho. Meu vizinho estava sentado aqui, se não tivesse levantado teria tomado um tiro, e não foi “bandido” não. Porque tudo eles dizem que é bandido, mas é mentira. Foi a polícia! – declarou uma moradora que preferiu não se identificar.
— Olha aqui no muro as marcas! Bateu aqui a bala, com meu filho aí dentro – disse, apontando para a casa perfurada por balas, e prosseguiu: — A gente sabe que existe o tráfico, mas isso não dá o direito da polícia fazer isso, sair atirando em todo mundo. Quase que meu filho foi morto. Está lá, o carro do meu filho furado de bala, e o carro do vizinho também, que teve prejuízo. E foi só a polícia que deu (os tiros), mais nada. E eu pergunto: a polícia vai pagar por isso aqui? Porque a gente tem patrimônio, eles têm que respeitar. Não vai vir pagar! E isso acontece é na hora que está saindo uma criança da escola, é só nesse horário. Invadem a casa dos moradores. E agora, quantas mães aqui hoje estão chorando, quantas mães estão perdendo seus filhos? — continuou sua denúncia.
Os assassinatos foram cometidos na Rua Capri, onde os policiais invadiram a residência de um casal de moradores – submetendo os mesmos a cárcere privado ali mesmo – e utilizaram o local de esconderijo para, em seguida, em uma emboscada, abrir fogo contra um grupo de jovens do outro lado da rua. Os moradores descreveram para a equipe de AND a ação criminosa da PM:
— Prenderam o morador dentro de casa e a esposa dele. Desceram por ali e saíram atirando para quem quisesse ver, os meninos estavam aqui. Um menino caiu ali morto, outro caiu ali. E vai dizer que foi troca de tiros?! Mentira! Os meninos não pegaram em nenhuma arma. Não pegaram! Não estou aqui para defender o tráfico, porque se está errado, está errado, isso eu sei. Mas isso que eles (PMs) fizeram não dá. – concluiu indignada.
O casal de moradores, mantido refém em sua própria casa, também falou com a equipe de AND e descreveu os momentos de terror:
— O policial já saiu na minha sala, eu estava deitado. Ela (esposa) estava na cozinha – afirmou o morador.
— Nós chegamos era quase 6 horas da tarde, que eu saio do trabalho, e ele foi me pegar no ponto de ônibus. Quando nós acabamos de entrar, ele estava sentado no sofá e eu fui para a cozinha, foi quando o policial entrou. Aí, quando eu vi, eles já estavam na minha cozinha. Eu pedi a eles: “moço, pelo amor de deus, meu marido teve um AVC, não pode se aborrecer, pelo amor de deus”. Ele mandou eu ficar quieta, disse que eu tava muito nervosa e tava dificultando o “trabalho” deles – declarou a esposa.
E continuou: — Ele mandou eu pegar o cachorro e trancar dentro do banheiro, porque o cachorro fazia alarme. E nos mandou ficar no quarto. Eu fiquei orando, com as mãos pedindo a deus para não acontecer nada. Eu orei: deus, por favor não deixa acontecer nada com os meninos que estão aí fora. Depois, só ouvi os tiros.
O casal, que já enfrenta problemas de saúde, ficou muito abalado com o crime:
— Eu estou tremendo até hoje. Não consegui ir trabalhar ontem, não consegui ir trabalhar hoje. Fui no médico, peguei a receita, ele me mandou vir embora para casa. Tá entendendo? Eu fico nervosa, levanto toda hora. Ele (marido) fica nervoso. Eu tomo remédio para pressão, meu marido toma vários remédios – revelou a moradora.
A moradora vive no bairro há 20 anos e seu marido nasceu na comunidade. Quando a equipe de AND perguntou aos dois se poderiam se identificar para a reportagem, ambos negaram:
— Eu tenho mais medo deles (PMs) do que do tráfico, que a gente sabe que existe aqui – disse a moradora.
— São eles lá de fora que vêm fazer maldade com a gente aqui, infelizmente. Não era para ser, mas é o que acontece – concluiu o marido.
A situação de guerra contra o povo faz parte do cotidiano dos moradores do Complexo do Chapadão. Durante as entrevistas, uma senhora de seus 70 anos se aproximou de nossa equipe e também denunciou:
— Eu moro aqui há 40 anos. E eles (PMs) entram aqui, dizem que a gente é vagabundo, que a gente é ladrão. Eles botam o capuz, vêm aqui encapuzado e dizem que vieram aqui para matar…
Os moradores relataram ainda a dura situação pela qual passa principalmente a juventude da região:
— Poxa, o garoto não tem lazer, educação, rouba um biscoito para comer, é preso. Aí, sai da cadeia, a sociedade não deixa ele trabalhar, entendeu? O que o menino vai querer fazer? O garoto sai da cadeia, quer ir trabalhar, bate numa porta e não tem emprego. E aí? Ele tem já a cabeça fraca, uma família desestruturada, ele vai entrar para o tráfico para sobreviver.
Cansados de todas as violações de direitos e crimes contra o povo, durante a manifestação, indignada, uma moradora desabafou:
— Até quando nós vamos viver marginalizados? Nós temos um governo onde todo mundo rouba. O que vai acontecer com este tal de Eike aí, que tem uma sala com os carros lá dentro e só faz humilhar os pobres? O que vai acontecer com o Sérgio Cabral? Vai devolver? Ele está é lá dentro (da cadeia) recebendo e sem fazer nada. Quem está devendo é o Pezão, quem está devendo é o Cabral. Vai lá no presídio e mata eles! Agora, vem aqui perseguir os meninos? Isso é covardia. E prosseguiu: — Ser pobre não é desonra. Eu tenho nojo é do Sérgio Cabral, do Pezão, dessa canalha que está lá dentro. São eles que estão tirando o direito do povo. Isso é que é vergonha. Agora, ser pobre é que é orgulho. Chega! Nós estamos cansados disso! Chegar aqui colocando a arma na cara dos meninos, para matar. O que é isso? Chega, isso tem que acabar!
A manifestação, que percorreu as ruas da comunidade, exigiu justiça e o fim do genocídio – única política permanente aplicada por esse velho Estado contra o povo que vive no Chapadão.
Cada vez mais os moradores, principalmente as mães e familiares que perderam filhos e parentes assassinados pela polícia, veem e compreendem a necessidade de se organizar na luta por justiça e para pôr fim a toda opressão e assassinatos.
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